
D. Clement repete várias vezes que refastelar-se numa poltrona na sua idade é um perigo, usando a recorrente ironia que lhe dá um traço misterioso. Trocou a família pelas montanhas há cerca de 20 anos, quando se tornou funcionário da CONAF, o organismo que gere as reservas ecológicas do Chile. A sua relação com a montanha é porém muito mais antiga. Depois de ter subido e escalado todas as montanhas do Chile, Peru, Bolívia, Argentina - navegando de Norte a sul pela cordilheira dos Andes - rumou à Europa.
Não satisfeito com os Alpes, fez duas viagens ao Nepal. Uma foto de um pico gelado de 8000 metros do Maciço de Annapurna, nos Himalaias, ocupa lugar de destaque na sua sala, precisamente sobre o umbral da lareira. Mas há outras, uma foto a preto e branco nas montanhas de Bariloche (Argentina, Patagónia-norte), como um sorriso de criança e satisfação.
Outra enquadra-o numa paisagem do Monte Branco, com um rosto a dar as boas-vindas às primeiras rugas e um olhar mais longínquo. As estantes que existem estão cravejadas de livros sobre montanhismo, alpinismo, parques naturais, exploradores dos picos mais arrojados do mundo. Mas também várias obras sobre as culturas que ali viveram, sobretudo as culturas Maia, Asteca e Inca, na América do Sul.
“ Não vamos perceber nada destas montanhas se não compreendermos que tipo de pessoas entenderam ser ali o seu lugar. É como se a montanha fosse o núcleo do polvo, e os habitantes os seus tentáculos”, afirma D. Clement. Mas a seu interesse e sabedoria também se alargam a outras civilizações. E não só por curiosidade. “Quando se iniciou a construção da cabana onde moro, fiz um levantamento sobre o solo e área circundante. Descobri primeiro que havia vestígios da tribo “ayamara”, que incluía um cemitério indígena. Foi precisamente no local do cemitério que entenderam que seria o melhor local para a construção da cabana e, contra as minhas ordens, aqui foi construída.”
Põe as mãos atrás das costas e vira-se para a lareira acesa, debruça-se para aquecer as mãos. Lá fora ouve-se o riacho e o relinchar súbito dos dois cavalos. Além destes, tem apenas a companhia de dois “zorros”, uma espécie de raposas que vêm todos os dias comer junto ao seu portão. “Por isso, tenho tão poucas visitas. É que ao contrário das aparências, não estou sozinho”, e ri-se dirigindo-se para a cozinha com o intuito de apagar o chá que já ferve.
Quando volta, continua a abordar o assunto: “Por volta de 1890, uma grosseira versão da teoria de Darwin, parecia encorajar a caça aos índios, com base num dos princípios capitais: a sobrevivência dos mais bem adaptados. Os europeus tinham certamente uma superioridade física sobre os nativos, mas apenas distinguível pelas cartucheiras de balas que traziam. Os nativos, diga-se de passagem, eram de longe os mais aptos, e hoje, nem o repouso dos seus corpos conseguimos respeitar.”
A influência da montanha é visível no seu carácter, denota-se a cada gesto, na maneira pausada como explica os percursos, nos passos decididos que o levam a cumprir as suas tarefas, no olhar trémulo com que procura no céu uma previsão do tempo. A cabana é muito bonita, dentro da simplicidade que é característica num albergue de montanha, este, até proporciona um espaço bastante acolhedor e cómodo. Bem mobilada, com quarto de visitas, que acaba por ser quase exclusivamente o quarto do rádio-amador.
D. Clement é apaixonado pela solidão da montanha, mas de eremita tem muito pouco.
Está ligado à humanidade com um rádio-amador, com quem comunica para todo o mundo, mais 3 telemóveis, internet, televisão e foguetes de sinalização, os únicos eficazes por vezes, nos 3 meses de Inverno rigoroso que o isolam.
Os mantimentos são guardados num baú gigante que faz lembrar uma arca de Noé. São trazidos de carro uma vez por mês e ali guardados até que seja hora de os repor. Nos meses de Inverno, a arca fica completamente cheia, é previsto ter capacidade para provisões de 90 dias.
“Quando me farto de torradas, começo a fazer pão, mas normalmente isso só acontece nos últimos dias, não perco muito tempo a tentar ter sucesso com as lides domésticas”, explica D. Clement. A farda verde-tropa dá-lhe um ar mais jovem do que tem. “É como a ilusão de me fartar de estar aqui…quando vou de férias, dez a 15 dias para outro lado, só penso em voltar.”
Não satisfeito com os Alpes, fez duas viagens ao Nepal. Uma foto de um pico gelado de 8000 metros do Maciço de Annapurna, nos Himalaias, ocupa lugar de destaque na sua sala, precisamente sobre o umbral da lareira. Mas há outras, uma foto a preto e branco nas montanhas de Bariloche (Argentina, Patagónia-norte), como um sorriso de criança e satisfação.
Outra enquadra-o numa paisagem do Monte Branco, com um rosto a dar as boas-vindas às primeiras rugas e um olhar mais longínquo. As estantes que existem estão cravejadas de livros sobre montanhismo, alpinismo, parques naturais, exploradores dos picos mais arrojados do mundo. Mas também várias obras sobre as culturas que ali viveram, sobretudo as culturas Maia, Asteca e Inca, na América do Sul.
“ Não vamos perceber nada destas montanhas se não compreendermos que tipo de pessoas entenderam ser ali o seu lugar. É como se a montanha fosse o núcleo do polvo, e os habitantes os seus tentáculos”, afirma D. Clement. Mas a seu interesse e sabedoria também se alargam a outras civilizações. E não só por curiosidade. “Quando se iniciou a construção da cabana onde moro, fiz um levantamento sobre o solo e área circundante. Descobri primeiro que havia vestígios da tribo “ayamara”, que incluía um cemitério indígena. Foi precisamente no local do cemitério que entenderam que seria o melhor local para a construção da cabana e, contra as minhas ordens, aqui foi construída.”
Põe as mãos atrás das costas e vira-se para a lareira acesa, debruça-se para aquecer as mãos. Lá fora ouve-se o riacho e o relinchar súbito dos dois cavalos. Além destes, tem apenas a companhia de dois “zorros”, uma espécie de raposas que vêm todos os dias comer junto ao seu portão. “Por isso, tenho tão poucas visitas. É que ao contrário das aparências, não estou sozinho”, e ri-se dirigindo-se para a cozinha com o intuito de apagar o chá que já ferve.
Quando volta, continua a abordar o assunto: “Por volta de 1890, uma grosseira versão da teoria de Darwin, parecia encorajar a caça aos índios, com base num dos princípios capitais: a sobrevivência dos mais bem adaptados. Os europeus tinham certamente uma superioridade física sobre os nativos, mas apenas distinguível pelas cartucheiras de balas que traziam. Os nativos, diga-se de passagem, eram de longe os mais aptos, e hoje, nem o repouso dos seus corpos conseguimos respeitar.”
A influência da montanha é visível no seu carácter, denota-se a cada gesto, na maneira pausada como explica os percursos, nos passos decididos que o levam a cumprir as suas tarefas, no olhar trémulo com que procura no céu uma previsão do tempo. A cabana é muito bonita, dentro da simplicidade que é característica num albergue de montanha, este, até proporciona um espaço bastante acolhedor e cómodo. Bem mobilada, com quarto de visitas, que acaba por ser quase exclusivamente o quarto do rádio-amador.
D. Clement é apaixonado pela solidão da montanha, mas de eremita tem muito pouco.
Está ligado à humanidade com um rádio-amador, com quem comunica para todo o mundo, mais 3 telemóveis, internet, televisão e foguetes de sinalização, os únicos eficazes por vezes, nos 3 meses de Inverno rigoroso que o isolam.
Os mantimentos são guardados num baú gigante que faz lembrar uma arca de Noé. São trazidos de carro uma vez por mês e ali guardados até que seja hora de os repor. Nos meses de Inverno, a arca fica completamente cheia, é previsto ter capacidade para provisões de 90 dias.
“Quando me farto de torradas, começo a fazer pão, mas normalmente isso só acontece nos últimos dias, não perco muito tempo a tentar ter sucesso com as lides domésticas”, explica D. Clement. A farda verde-tropa dá-lhe um ar mais jovem do que tem. “É como a ilusão de me fartar de estar aqui…quando vou de férias, dez a 15 dias para outro lado, só penso em voltar.”
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