Avançar para o conteúdo principal

A Cratera de Pinatubo - Filipinas



(English version below)
A subida à cratera Pinatubo consistiu em duas partes perfeitamente distintas.
Fizemo-nos à estrada ainda de noite, às cinco. Montados no jipe, aguardava-me a viagem mais dura num 4x4 de que tenho memória.
Deixa-se o alcatrão e as facilidades da vila de Botolan para se mergulhar numa extensão de areia cinzenta. O veículo cambaleava, e com ele os corpos, como bonecos. Logo de seguida, sem aviso, o piso torna-se tão pedregoso que é como se os pneus nos bombardeassem.
Ora bem, até aqui, foi divertido.
Chegou o rio, muito largo mas com pouca profundidade. Uns aldeões acabavam de o atravessar com um potente búfalo e carroça. O condutor pediu-lhes instruções – garantindo-nos portanto que ele não tinha certeza do que fazia. A ofensiva ao rio aconteceu a alta velocidade. Água espirrou por todo o lado, para dentro do jipe e das nossas coisas, mas isso por enquanto são tudo danos colaterais.
Quando, em terra firme, a velocidade aumentou, todos os passageiros deram um salto num súbito piso irregular que levou o casal dos bancos detrás a descolar até ao tecto. Ele feriu-se no braço ao aterrar.
- Hey cowboy - dissemos como clientes surpreendidos - this is not a race! - A partir daí não há dúvida que diminuiu a velocidade.
As montanhas, de cores avermelhadas, alaranjadas e verdes, mantinham-se ao longe, mas como se erguiam em coro à volta daquele vale esbranquiçado, causavam sensação à vista. O vale era um desses lugares que , à semelhança do deserto, não têm pontos de referência, e por isso demoram a atravessar.
Quando por fim foi dominado, o jipe entrou num canyon estreito, uma fenda roubada à pouco tempo (geológico)e que os humanos começaram a trilhar para aceder às aldeias mais altas, mas tudo ainda carece de sedimentação, numa jovem construção da natureza.
O jipe estacionou num declive e daí para a frente, começava a segunda parte, a caminhada.
Esta subida ao Pinatubo foi organizada e paga ao departamento oficial de turismo das Filipinas e era de esperar que por esta altura, pelo menos, já soubéssemos o nome do guia que ia no banco da frente. Soterrado em sacos que decidira trazer para entregar a aldeões no fim da viagem, não dizia uma palavra em inglês. Só porque o tal casal que se juntara era composto por uma filipina e um canadiano, se pôde por esta altura compreender que ele serviria de guia.
Ali estava aquele senhor sem dizer uma palavra e a cumprir o seu papel silenciosamente, indicando um caminho que qualquer pessoa, desde que não fosse cega, conseguiria ver.
Gostava de saber mais da história daquele sítio. Em 1991 uma erupção particularmente abrupta surgiu da cratera que agora, depois de uma caminhada de duas horas, estava à minha frente na sua paz de 26 anos, abrigando um lago de cor verde intensa, como se tivesse engolido uma floresta inteira.
Varreu as encostas que acabáramos de subir e destruiu a vida a milhares de pessoas. Atingiu a vila de Botolan (sobretudo com as suas espessas cinzas) e obrigou de forma directa a  evacuar as pessoas das aldeias das montanhas.
De novo, na cratera, tive a impressão do periclitante daquelas encostas brancas e estriadas. Curiosamente é o que torna aquele lugar diferente dos outros.
O regresso à viatura fez-se sem nada relevante. O tempo entretanto acabrunhara-se e até tivemos de fugir de alguns pingos da chuva.
No jipe a condução foi garantidamente mais suave, à excepção das grandes subidas onde não há outra hipótese senão prego a fundo.
O tempo foi piorando e uma nuvem cinzenta e espessa pairou sobre a região. O vento aumentou com força.
De novo no grande vale cinzento, já sem a cor bonita das montanhas que desaparecera sem a luz directa do sol, apercebo-me: não eram nuvens o que nos rodeava, nem era pó que cobria as nossas roupas, mas cinzas persistentes.
Dali a algum tempo, quando abandonámos o jipe, já na cidade,e mesmo no dia seguinte, confirmei o que fui sentindo em todo o caminho: devido aos ventos furiosos que se puseram de feição, a localidade de Botolan, a contragosto, estava invadida. Máscaras nos rostos de muitos concediam um certo consolo aos meus pulmões zangados.
Mas, voltando ao jipe.
Aproximávamo-nos do maior rio. O condutor não escondia a pressa de lá chegar e agora, com ele à nossa frente, percebia-se porquê - o caudal tinha aumentado.
Recebeu instruções pelo walkie-talkie. Um grande camião do exército estava na outra margem. Ocorreu-me que aguardariam pela travessia do jipe para terem a certeza de que a poderiam fazer.
Hesitante, mas sem outra opção, o jipe atirou-se à água. Afundou-se imediatamente muito mais do que à ida e a partir daí começou a luta entre o fundo do rio, suas pedras, troncos, cinzas, areias - e um motor com uma força impressionante, capaz de navegar, quase.
De qualquer forma foi muito violento para o “casco”. Sons ocos de pedras como balas abafavam por completo os nossos risos iniciais. Sentiu-se uma breve ameaça de ficarmos atolados. Logo de seguida, a tracção desapareceu momentaneamente ficando expostos ao rio sem a força motora do jipe, e não sou eu que o digo mas a excitação do condutor para os homens que estavam no camião militar na outra margem,quando lá chegou, todos alegrando-se por aquilo que lhes pareceu um grande feito.
Pouco depois observei o camião voltando pelo mesmo caminho que nós. Resta-me concluir que ali se encontrava para intervir se algo corresse mal.
Afinal, o departamento oficial de Turismo das Filipinas não é assim tão repreensível.

Nota: a erupção do vulcão Pinatubo em 1991 foi considerada um dos piores desastres de uma década em que as Filipinas foram particularmente afectadas por catástrofes naturais. A economia nacional sofreu um abrandamento considerável.
Morreram setecentas pessoas  e duzentas mil ficaram sem casa.





(English Version)
The Pinatubo Crater
The ascent to to the crater of Mount Pinatubo is achieved in two distinct stages.
Hitting the trail in the dark of 5AM, as we climbed in the Jeep one of the toughest 4x4 trips I can remember was waiting for us.
Leaving behind the tarmac and the facilities of the town of Botolan, Zambales we plunged into the expanse of grey sand.  The vehicle swayed and lurched, and with it our bodies rattled like marionettes.  Soon and, without warning, the terrain turned so stony it seemed as if the tyres were being hit by a hail of bullets.
Oh well, this seemed liked fun so far.
We came to the river, vast in its breadth but shallow.
Some local villagers were reaching the end of the crossing on a wagon pulled by a powerful buffalo. Our driver asked theirs for advice, thereby confirming our suspicions  that he wasn't completely sure how the crossing should best be approached.
The assault on the wide expanse of water began at high speed, the water spraying up in directions, including inside the Jeep and on us and our things.  For the  time being this didn't seem  too serious however.
When, having reached dry land, the speed increased, we hit an irregular piece of ground and all the passengers were lifted skyward.  The couple on the benches at the rear of the vehicle were catapulted highest,  their heads hitting the roof and the man catching his arm on the descent.
"Hey cowboy!" - cried the client in panic and surprise.  "It's not a race!"
From that moment on our pace was undoubtedly more leisurely.  The mountains, in reds, oranges and greens, remained at a distance, but gave a sensational view as they rose like a choir around the whitened valley.
The expanse of the valley was such that, as in the desert, there were no reliable points of reference, making our progress across seem slower than it probably was.
When finally the valley ended, the jeep entered a narrow canyon, a crevice opened very recently (in geological time) which humans had begun to clear as a path to access the high villages.  It still had the fragility typical of a young geological feature of the earth and was, along its whole length, spectacular to see.
Eventually the jeep parked on a slope and we began the second stage, on foot.
We had organised and paid for our route to the top of Pinatubo  through the Tourist Department of the Philippines.  By then we thought it strange that we hadn't yet learned the name of the guide sitting in the front seat, buried by backpacks which he handed over at the end of the journey to the villagers who accompanied us on a motorbike.
It turned out that he didn't speak a word of English, and it was only thanks to the fact that the couple comprised one Filipina and one Canadian that we even understood that this man was supposed to be our guide.
Once on the trail the man would, without speaking a word, perform his duties silently, indicating a route that each of us, not being completely blind, were already quite able to see.
I wanted  to know more of the history of this place. In 1991 a particularly abrupt eruption had risen from the crater that now, after a two hour hike, was before us in its 26-year repose, cradling a lake of intense green colour, as if an entire forest had been engulfed.
The lava had swept down the slopes we just climbed and destroyed the homes and lives of thousands.  The eruption had reached as far as the town of Botolan (mainly with a dense covering of ashes) and forced those residents of the mountain villages lucky enough to have the time, to evacuate immediately.
Back in the crater I could feel the precariousness of those white slopes and cracks which, curiously enough, made that place feel so different from any other.
The return to the vehicle was without incident.  In the meantime the sky had begun to  close in and we had to hurry to escape the little drops of rain we were starting to feel.
In the jeep the driving began much more smoothly, with the exception of the larger bumps over which the driver had no other option but to put his foot down.
The weather continued to deteriorate and a thick dark cloud was hovering overhead. The wind was also picking up.
Once back in the wide grey valley, where the pretty colours of the mountains had already vanished without the sunlight, I realised that I had been mistaken, it was not the clouds that was surrounding  nor dust that covered our clothes, but the lasting ashes of the eruption from over a quarter of a century ago.
Some time later, having left the jeep and back in the city, and even during the next day, I saw confirmation of what we had felt throughout the hike: owing to the furious winds that blew in its face, the town of Botolan was still being overwhelmed.  Noticing the masks on many peoples faces gave a strange comfort to my burning lungs.
But, back in the jeep we were approaching the broad river.  The driver was not hiding his hurry now, and we began to understand why; the flow had been increasing significantly since that morning.
He consulted someone over the walkie talkie.  A large army truck was stationed on the other side.  It occurred to me that it may have been awaiting the outcome of the jeep's attempt at a crossing before considering its own.
Hesitant, but with no other option, the jeep plunged into the water. Immediately it was submerged much deeper than it had been on the way up.  From there began the struggle between the bed of the river, with its rocks, tree trunks, sand and ashes – and an engine with an impressive power that made it able to navigate the river, almost.
However the crossing seemed very violent for the jeep's 'hull'.  Hollow sounds of rocks like bullets hushed our initial laughter as we briefly felt a slight threat of being stuck.  Soon after that, the contact with the riverbed disappeared momentarily and we found ourselves at the river's mercy without any input from the engine.  If I had been in any doubt that this had really happened, it was eliminated by the screams of excitement  the driver gave to the men in the military truck once we were safe on the other side, all of them celebrating what must have seemed quite an achievement.
Shortly after we saw the truck following us back to the town. It seemed like it had only been there to assist if things had taken a wrong turn.
In the end, the Department of Tourism of the Philippines didn't seem quite so reprehensible.

Note: The Eruption of the Pinatubo volcano in 1991 was considered one of the worst  in a decade of catastrophes in which the Philippines was  particularly affected by natural disasters.  The nation's economy suffered a considerable slowdown.
Seven hundred people died and two-hundred thousand lost their homes.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Perahera - encontrar o maior festival do Sri Lanka

SEE BELOW FOR THE ENGLISH VERSION Perahera Em Kandy é considerado o maior espectáculo e demonstração cultural do país, mas a versão indiscutivelmente menor que me tocou na zona de Aluthgama (talvez um vigésimo da sua dimensão)já deixa uma bela impressão. Sendo um festival budista que celebra o primeiro ensinamento de Buda depois da Iluminação, exibe em procissão uma das suas relíquias. Relaciona-se também com uma outra procissão em tempos considerada essencial para chamar a chuva. Os primeiros rapazes trazem longas cordas castanhas, são chicotes mas mais fazem lembrar um peludo animal comprido. A forma como o projectam no ar produz um som tremendo - sem nos bater, o som chicoteia. Uma vez que não guardam grande distância entre si, não é compreensível como conseguem não se maltratar uns aos outros ou mesmo a assistência acotovelando-se para os ver. Depois desta abertura surge o primeiro elefante. Vestem-no com uma indumentária carregada de electricidade, com luzes o

Jornal de Letras - há algum tempo escrevi a rubrica "Diário" - agora divulgo.

Bolívia, Cordillera Real, 2012 Raquel Ochoa 34 anos, publicou duas biografias e três romances, um dos quais distinguido com prémio literário revelação Agustina-Bessa-Luís, mas começou por escrever uma crónica de viagens “O Vento dos Outros”. Chama-lhe “língua-mãe” e o seu percurso explica porquê. Mundo aos goles (pouco) espaçados Agosto de 1999 Percorrer a Europa para fugir dela, já havia pressa de compreender o que consistia o além, sondar o transcontinental, e por isso, com três amigos, o interrail tinha a Capadócia em mente, passando por Itália, ilhas gregas, entrada por Ankara e longos percursos de autocarro até ao casario de cavernas, a paisagem de deserto esculpido. Agosto de 2000 Foi tão grande o impacto da primeira viagem que logo se criou nova oportunidade de partir. Desta vez, outro interrail, sem companhia a maior parte do tempo, pelas ilhas croatas, ao longo da Europa do Leste, Alemanha e Holanda. Viajar só com a mochila, um caderno e dois livros

Ser indiana num país como a Índia

Arambol é uma praia no norte de Goa onde confluem pessoas do mundo inteiro. Nos últimos tempos a procura é maioritariamente russa, o que tem trazido uma fama diferente a Goa, nunca a melhorar, devido a desacatos e episódios violentos. Aqui, de dia e de noite, as pessoas passeiam-se sem pressas, parece um parque de diversões para personagens inverosímeis. O mexicano com problemas de álcool, o jovem casal português do Cacém que depois de ter emigrado 10 anos em Inglaterra, decididos a voltar a Lisboa, deixam-se ficar mês e meio para evitar o Inverno, o consultor de imagem de um importante político russo que faz oposição a Putin, um casal de ingleses acima dos 50 que se perdeu no tempo e nas drogas, a sueca atraente e atiradiça que se divorciou há menos de um ano e não esconde que procura sexo ocasional, uma jovem grávida de seis meses com o seu companheiro, ambos nórdicos, sem medo de nada, ou o argentino atormentado, arquitecto de hospitais, que anda há ano e meio a viajar porque carr