(publicado pela revista Focus - Março 2011)
é A VIAGEM QUE AINDA NÃO FIZ
A melhor viagem
que já fiz talvez seja a que ainda está por fazer. Uma ida ao topo do
Kilimanjaro, às estepes da Mongólia, ao recife de coral da Austrália, às
picadas de Moçambique, aos trekkings em Yellowstone na
América do Norte.
Porque é
esta a filosofia, nunca parar. O mundo muda, a Índia que conheci em 2001 e 2002
não é a mesma que encontrei em 2007. Que não será a mesma que encontrarei neste
afortunado regresso em 2011. Ainda bem que estive em Torres del Paine,
extremo-sul do Chile, antes do grande incêndio que consumiu parte considerável
do parque.
A vida
inteira não chega para explorar nem sequer metade da sabedoria do planeta.
Se não
estou a viajar - é uma máxima - estou a trabalhar para o fazer.
A melhor
viagem que realizei na vida foi a viagem que ainda não fiz.
Costumo
dizer aos que me rodeiam que não é só importante viajar mas fazê-lo o mais
depressa possível. O mundo está em constante mutação, é essa a sua natureza. E
o homem-bicharoco, como nunca antes visto nos últimos séculos, entra neste jogo
para arrasar o quadro. Reconfigura-o ou desfigura-o, como nota a maioria,
outros, doutorados em economia ou em Microsoftagens, condescendem usando o repetido
conceito: desenvolvimento.
O mundo que
conheço tem fronteiras na Antárctida, que espreitei ao longe e só recebi os
seus ventos, aquando da minha estadia na Terra do Fogo, extremo austral do
globo, em terras argentinas. Posso começar por aí, pelo fim. Recordo-me de uma
frase que li num muro: “Fin del mondo, el principio de todo.”
Cinco
locais inesquecíveis:
-
Patagónia: qualquer voo de Buenos Aires ou Santiago do Chile nos coloca no
epicentro do vento. A minha história foi por terra, desde o Peru, de autocarro
em autocarro como se quisesse adiar o encontro. E o embate foi fortíssimo.
Há vários
pontos-chave para contemplar os delírios e arrepios da Pachamama: El Chaltén,
onde um trekking nos leva aos glaciares estacados nas enormes torres de granito
(Parque de los Glaciares); Torres del Paine; Estreito de Magalhães e Ushuaia -
não vão ao engano, é uma cidade enorme, no último sítio onde seria suspeitável
crescer a civilização.
- Índia: de
norte a sul, de este a oeste, a Índia é a aprendizagem que nunca acaba.
A Goa,
volta-se sempre, está-nos na pele.
Hampi (a
300 kms a leste de Panjim) é uma cidade antiquíssima, ex-capital de império, um
jardim de pedras arredondadas e cor de laranja onde templos florescem discretos,
à primeira vista criados pela erosão e não pela fé dos homens.
Kaniakumary
é o ponto mais a sul do sub-continente. Aqui convergem o Mar Arábico, o Golfo
de Bengala e o oceano Índico. Misturam-se areias de várias cores. Sente-se a
força da convulsão de culturas que habita todo aquele território a afunilar-se
no mar. Uma caminhada nesta praia ao pôr-do-sol é altamente recomendável aos
que procuram a exaltação do espírito.
Jaisalmer,
a cidade do deserto, Rajasthan. Imagine-se um laborioso castelo de areia feito
por meia dúzia de garotos que se esquecem do tempo numa tarde de Agosto. Sim,
tão bonito como a mente de uma criança.
- Nepal, Kumbu
Valley – Campo Base do Everest. O sítio mais extraordinário que estive na vida.
Em Kala Patar ,
o miradouro por excelência do Everest, a 5545 metros de
altitude, depois de 17 dias a caminhar por montes e vales, estiquei o braço e
ergui a mão. Ao piscar um olho: a montanha mais alta do mundo cabia dentro da
minha palma. A coroa gigantesca de montanhas que ali se ergue é composta por
deuses vivos e crescem 0,5
milímetros por ano.
Imagens e
palavras são trapos velhos para qualificar o trono da mais bela cordilheira.
Assistir aos segundos em que o sol nasce atrás do Everest tem um impacto a
nível celular.
- Machu
Pichu – Peru
Ficamos com
saudades dos incas mesmo sem os termos conhecido. Os Andes alcatifados de verde
exuberante sobrepõem-se uns aos outros, cada maciço tentando espreitar melhor a
cidade que o outro. As construções em blocos de pedra torneados são imponentes
e, diria até, confortáveis. Huaina Pichu, o ponto mais alto, é imperdível, e a
subida, embora não se corra perigo algum, corresponde a uma aventura, pois em
certos pontos só escala uma pessoa de cada vez.
Com vista
que dali se obtém, a vida parece uma comédia e o cansaço uma gargalhada incontrolável.
- Cabo
Verde – Mindelo; Ilha de St.º Antão; a praia do Tarrafal em Santiago.
Os
cabo-verdianos são um povo ímpar. Tranquilos, inteligentes, viajantes,
bem-humorados, inconformados. Há uma tristeza em dose mínima que lhes confere
qualquer coisa de português. Tal como na Índia, mas por motivos diferentes,
sinto-me em casa.
Por último,
referir os Açores como um dos locais mais surpreendentes que há entre o céu e a
terra. São tantos os recantos. Possa o desenvolvimento
e quem o dita não destruir aquela mina da natureza.
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